O coordenador das parcerias em África e no Médio Oriente do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), Will Fitzgibbon, considerou hoje que, apesar das consequências da investigação ‘Luanda Leaks’, os problemas em Angola continuam por resolver. Quando todos pensavam que, por milagre, os jacarés passaram a ser vegetarianos…
“Raramente um bilionário caiu tanto e tão depressa; mas em Angola e noutras partes do mundo, os males sistémicos que a investigação ‘Luanda Leaks’ trouxe para a ribalta – corrupção, a saída de riqueza para centros ‘offshore’ e uma indústria de dinheiro sujo que cria e acelera o roubo de nações inteiras – continua largamente por resolver”, lê-se num texto hoje assinado por Will Fitzgibbon.
Quase um ano depois da revelação de documentos que lhes caíram no colo, a “investigação” (no caso sinónimo de divulgação) jornalística conhecida por ‘Luanda Leaks’, e que incidiu principalmente (sem que quase ninguém tivesse estranhado) sobre os negócios da empresária Isabel dos Santos em Angola, o ICIJ relembra os principais acontecimentos dos últimos 12 meses e usa as palavras da activista Laura Macedo para concluir que “os ‘Luanda Leaks’ foram uma lufada de ar fresco que entraram pela janela”. É pena que se esqueçam que Angola é uma casa sem janelas, em muitos casos até mesmo sem… paredes.
Apesar disso, o coordenador do ICIJ para África elogia João Lourenço (pudera!) por ter agido rapidamente do ponto de vista judicial contra antigos responsáveis do Governo anterior, mas lamenta que seja “menos receptivo ao auto-exame”. E que tal alguém perguntar ao ICIJ se nos documento que recebeu não constam sobejas informações e provas relativas a João Lourenço. então vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa do pai de Isabel dos Santos, José Eduardo dos Santos?
Os manifestantes em Outubro e Novembro “encheram as ruas [de Luanda] e pediram mais transparência e exigiram a demissão de Edeltrudes Costa, o chefe de gabinete de João Lourenço, que alegadamente comprou casas de luxo no estrangeiro através de contas bancárias em paraísos fiscais depois de receber um contrato do Governo para reconstruir aeroportos”, escreve o activista.
A queda da filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, afirma-se, foi “cataclísmica”, tendo em conta que Isabel dos Santos “chegou a jantar com presidentes de empresas globais e posou em carpetes vermelhas com presidentes, príncipes e com a elite de Hollywood”, deu entrevistas (algumas por encomenda) a impolutos “jornalistas” estrangeiros, “mas agora o seu círculo privado e as empresas relacionadas estão sob investigação criminal em três países, estando impedida de aceder a activos avaliados em centenas de milhões de dólares e entre os seus principais investimentos, foi forçada a ceder o controlo em três companhias, pelo menos sete foram bloqueadas no âmbito dos processos judiciais e outra está em falência”.
Os advogados, conselheiros e contabilistas “afastaram-se depois de assinarem as auditorias e gizado estratégias de contorno de pagamento de impostos”, acrescenta-se no texto, que lembra que “as reportagens do ICIJ mostraram como os conselheiros profissionais nas nações ocidentais tornaram possível que dos Santos desviasse a riqueza do seu país para contas pessoais”.
No texto hoje colocado na página do ICIJ, o jornalista Will Fitzgibbon cita ainda a directora da Transparência Internacional em Portugal para sustentar que ainda há muito por resolver, e não só em Angola. Isto, é claro se alguém tiver coragem de, como fez o Folha 8, dizer que quem viu roubar, ajudou a roubar e beneficiou do roubo é… ladrão.
“Os ‘Luanda Leaks’ foram a chave para o aumento do activismo anticorrupção em Angola e trouxeram nova atenção para os contabilistas e outros que foram cúmplices no desvio sistemático de fundos públicos para ganho privado”, considera Karina Carvalho, acrescentando: “Mas também vejo a continuidade das estruturas de poder que impedem a devolução dos activos roubados ao povo angolano e protegem os lucros da lavagem da dinheiro e da evasão fiscal; estes facilitadores têm uma parte da responsabilidade pelas pobres condições de vida, incluindo fome e morte que afectam milhões de pessoas em todo o mundo”. Vinte milhões são angolanos.
O ICIJ revelou, em 19 de Janeiro, mais de 715 mil ficheiros, denominados “Luanda Leaks”, que detalham alegados esquemas financeiros que terão permitido a Isabel dos Santos e ao marido, Sindika Dokolo, que entretanto morreu, retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais, contando para isso com o criminoso, conivente e lucrativo silêncio de muitos dos que hoje comanda o país.
Segundo a Procuradoria-Geral de Angola, correm contra Isabel dos Santos vários processos de natureza cível e criminal, em que o Estado reivindica valores superiores a cinco mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros).
Para levar a bom termo o seu desiderato de poder unipessoal, João Lourenço, injusta ou injustamente, está a ser acusado de ter comprado, subornado, corrompido, a nata que se julgava a “inteligentsia” do MPLA, nomeadamente os seus deputados, através de mordomias e avenças por baixo da mesa. Desta forma, a corrupção passou de endémica a sistémica (faz parte do sistema), alojando-se no centro da maioria do poder legislativo.
Enquanto uma sociedade sã faz aumentar a riqueza e dessa forma diminuir a exclusão, uma que se sustenta na corrupção em geral e na sistémica e particular, não cria riqueza mas apenas ricos. É exactamente o que se passa no nosso país. Quando agentes públicos e privados, todos gravitando na esfera do MPLA/Estado, desviam milhões e milhões de dólares destinados à saúde, educação, saneamento, habitação e infra-estrutura, estão a trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco… ou nada. A corrupção está incrustada em nossa sociedade há 45 anos.
A perseguição cega de castigar, prender e discriminar os ricos que estavam do lado de José Eduardo dos Santos esquecendo os demais, atenta contra a estabilidade de emprego de milhões e afasta investimentos externos, avessos à instabilidade interna e à balbúrdia bancária. Mais grave em tudo isso é querer-se enveredar para uma reforma, tendo a corrupção no epicentro, amedrontando-se o dinheiro.
Quando um regime amedronta o dinheiro a corrupção passa a actuar, com mais intensidade no submundo, atentando contra todos os direitos da maioria. Por outro lado, reconheça-se ser a actual estratégia (considerando ser estratégia) do presidente João Lourenço, a melhor forma de, honestamente, se dar razão ao músico e activista irlandês, Bob Geldof, quando, no dia 06.05.2008, em Lisboa disse: “Angola é um país gerido por criminosos. As casas mais ricas do mundo estão na baía de Luanda, são mais caras do que em Chelsea e Park Lane. Angola tem potencial para ser um dos países mais ricos do mundo, com potencial para influenciar as decisões da China. Estamos (os cidadãos europeus) a poucos quilómetros de África, como podemos não nos questionar?”
Hoje quando a indignação aponta que os corruptos e demais ladroagem está concentrada, num partido, apresentado como o que têm mais ladrões por metro quadrado no mundo, isso significa, ser exímio o projecto de João Lourenço, para num futuro próximo, talvez, nas próximas eleições gerais, os povos, não continuem a votar, num bando de criminosos ou numa quadrilha, que diante da imparcialidade, não haverá lugar, nas fedorentas masmorras do próprio regime.
É preciso ponderação de todas as partes, para que o país não resvale, para uma nova confrontação, onde os ricos com necessidade férrea de defender o património, sejam compelidos a despedir massivamente e encerrar empresas, causando um caos social de repercussões incalculáveis.
Folha 8 com Lusa